segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Colheita

 Há muitos e muitos anos eu desisti de você. De fazer o que quer que fosse com o amor que você fez viver em mim. Desisti de tentar matar o que não morre, de não enxergar o que não some.

Fiz uma oração para você. Te libertei e me libertei de você. 
Do amor fiz semente. Fiz da minha vida uma casa bonita, e ao invés de te enterrar, eu te plantei. Desejei viver com sua sombra, ouvir os seus sons, me fortalecer com seus frutos.
Desejei que esse amor assistisse a minha vida passando. E que me abençoasse. E que permanecesse, de alguma forma, já não importa mais a forma, mas para sempre comigo. 
Você está aqui vendo toda a minha vida passar. Em frente à minha casa. Aonde descanso para lembrar de coisas bonitas. Aonde sinto paz. Esse lugar, que virou tudo isso, é parte de mim agora. Só de mim. 
De você eu já nao sei mais. Já não o conheço há anos. Foi abraçado por uma onda boa, a mesma que nos abraçou juntos, e te levou para fluir numa corrente só sua. Eu fiquei na praia. Longe. Sem ver.
Essa semente que cresceu com o mesmo sem porque desse sentimento. Com a força da natureza crua. Que se fez vida na minha vida. Fica aí. 
Eu vou passar, e sua sombra vai abrigar outras brincadeiras, outras conversas. Seus frutos vão alimentar mais bocas, de porvir... isso fica. No mundo. Porque não tem dono. Nunca teve. So tem beleza e vida. E fica, porque merece.

Duas caras

 

O silêncio que grita, e que é surdo 

Que passa imenso e pesado feito tempestade
Acima dos olhos costumeiros que enxergam apenas a linha do horizonte 
O imenso e imponderável que perturba tudo que já houve e se colocou entre nós 
Não tem começo e nem fim 
Tem o tempo, que cuida de desfigurar o velho, de polir o novo, de mansar, pontualizar...
E tem nos dois. Pontos da mesma esfera, de faces opostas.... 

Escreve


Tatua no branco da existência 

A sua honestidade 

Arrasta as armaduras alheias contigo
A se despirem também.
Que serviram mais a ferir 
E nada a proteger.

Ao mar

Se descreve esse mar, meu amor.

Me descobriria dentro. Por dentro.

Infinito & Além

Continuo procurando 

Em cada pista, uma saída 

Escrevendo para exorcizar 

Até o além do fim da vida e do mundo

O quanto for necessário.

Até chegar aonde cessa, ou nasce

Toda essa dor de amor que não foi gasto.

Amor que ficou.

Que já não é amor. Não é nada.

É espaço. Infinito.


terça-feira, 16 de maio de 2017

Dois nós




O bom senso nunca conseguiu decidir muitas coisas sobre meus impulsos. Infelizmente, chegamos a conclusão que para você também não. Mas isso não é agora uma novidade. E agora não é diferente. Derrotada mais uma vez, dou lugar ao que termina por me dar norte, que é minha pura e simples vontade de ceder ao impulso e ao desejo de vomitar tudo. Virar o avesso de tudo que mora aqui dentro.
É que depois de tantas vezes te ver voltando atrás, me recuso a estar enganada. Não posso deixar passar, não estou louca fantasiando. A questão central não é o que nos separa, o que nos move, AGORA o foco, é o que ainda nos faz presentes. É só isso.
Mil pessoas, experiências, desejos e acertos passaram nas nossas vidas, e depois disso tudo ainda fugimos vez ou outra para o mesmo local de encontro. A mesma caverna onde nos vemos, nos despimos. Caverna que olhamos para nós mesmos inteiros e imperfeitos, porém na mesma direção. Conectamos nossas elevações de pensamentos e baixezas de instintos. Onde a parceria acontece. Parceria que já cruzou horas de trem, de carro, de pé, de frio, de escalada, de orgasmos, de bebidas, de gritos, de contemplação, de abraços, de domingos a noite... Horas de trocas. Troca de papéis, de culpa, de tormento. Mas ainda assim parceria. Parceria que acontece sem ser, sem estar presente. É sentir a felicidade do sorriso do outro e sorrir, sem falar, sem olhar, sem saber... É sentir a dor e angústia do outro e sangrar sem chorar, sem falar, sem olhar e sem saber que sabe. Porque nada mais aprendido do que quando sentido, e a gente aprende muito sem saber. E aprende porque mesmo sem pedir houve tempo para isso...Houve uma oportunidade que a vida e o universo quiseram, e a gente não tem ainda como entender. Mas continuamos usando essa oportunidade, sem nenhuma intenção de finalizar. Aliás, sem intenção alguma. Por puro querer e falta de propósito.
E é na falta de propósito que mora o sentido das coisas. É no que a gente faz apesar de tantos motivos para não fazer. É no que a gente se engana, fazendo de conta que não é. É no que não faz sentido para quase ninguém, é na decisão que demoramos a tomar mas no fundo sabemos que vamos sim. E depois de tanto isso tudo ser, eu que não quero me distrair. Estou finalmente atenta, a postos e viva para isso... Protagonizo e afirmo; lábios, direções, contentamentos, vontades, felicidades, dentes, mãos e a busca não mentem. Talvez a calma e o equilíbrio só existam assim mesmo, mas talvez não. Talvez o muito que vivemos ainda não seja suficiente para saber dizer ou concluir nada.
Antes eu achava que o tempo me trouxesse certezas, e agora me vejo afogada em dúvidas. Talvez esse deus queira me fazer aprender lições que na minha pequenez jamais imaginei sequer que precisaria aprender. Talvez seja para longo (tão longo que julguei que não existiria) prazo...Tão longo que fique para depois. Esse deus que sei que me cuida tão bem, que não nos desatou, que nos manteve em certo nível conectados. Que nos permitiu ser jogados no céu e no mar, rir e chorar (tanto), levantar e cair e tentar (TANTO)... afastar e nos encarar outra vez com um sentimento genuíno e sincero de profundo bem querer e gratidão a tudo que vivemos. Esse deus sabe o que faz e tem minha mais intensa confiança em tudo que coloca em meu coração.
Cada centímetro de mim amou profundamente cada centímetro de você. E apesar das nossas direções e forças serem tão parecidas que tenham corrido paralelas no infinito, sem se encontrar, hoje eu penso que pode ser que ainda não tenha chegado o ponto. Ou pode ser que as coisas sejam assim hoje porque nossas curvas estão mesmo se afastando para um sempre...  E seja o que for, o que não muda é que ainda nos pertencemos na distância, e por mais inesperado que seja, também nas atuais inquietudes e incertezas.
Inquieta porque ainda não encontrei várias respostas, e daí viraram simplesmente perdas. Muitos desses meus pedaços ficaram em você perdidos (será que perdidos mesmo?)
Esse devaneio não quer prometer, ou perguntar ou entender absolutamente nada. É só divisão de uma mistura bagunçada de sentimentos muito bonitos e verdadeiros.




segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Let It Go!



Do alto dos quase trinta anos (e evitando precisão de informação acerca da idade), comecei uma mania chata de aplicar questões filosóficas sobre a vida quando tenho oportunidade de observar crianças brincando, principalmente meninas. É distante olhar como adulta essa cadência, e ao mesmo tempo tudo ainda é muito familiar. Quase completo as frases. Complicado não encher tudo de significado, de simbolismo, de sinais. São sementes essas pessoas tão novas, são cheias de potencialidades, umas mais fortes que outras resistem mais bravamente às podas, mas até quando?



Só a luz de Freud cala essa conversa mental, lembrando que “às vezes, um charuto é só um charuto”.

Mas conto isso para pontualizar na minha curiosidade na diferença das brincadeiras e do mundo imaginário, das meninas e meninos. Da minha época lembro de vários embates terríveis para decidir quem seria a Pocahontas, a Jade e a Rapunzel... Era séria a disputa. Tão séria quanto a de duas meninas que discutiam outro dia numa loja para decidirem quem ficaria com a fantasia da Elsa e da Anna. Os meninos, dos mais quietinhos aos mais espevitados, tem seus heróis para travarem seus embates, ou então seus modelos de carros, ou então seus sei lá mais oques que essa meninada anda arrumando, mas até hoje não conheci um garotinho cheio dessas ofertas imaginárias brigando para ser o príncipe da princesa fulana. E é isso, são meninos que estão se divertindo com outras coisas mais divertidas. Mas será que não são tão crianças quanto as meninas que também poderiam estar se divertindo com imaginário de algo como os Minions? Vejo poucas garotinhas querendo se fantasiar de Minions, e eles são o máximo, diga-se de passagem.

Bom, claro que existe O Show da Luna, a Peppa, a Dora Aventureira, etc de referência feminina para as garotinhas, e que elas não estão por aí só vendo “coisas de meninas”, mas o forte mesmo da idealização, por quem vejo os olhinhos brilhando, são as princesas. Até hoje. Elas se sentem com o máximo de beleza e todas as milhares de qualidades do mundo que só uma princesa da Disney pode reproduzir. E ai do pai ou da mãe quando negam a tão sonhada fantasia. É engraçado de ver.



Falamos "engraçado” em momentos sem graça nenhuma, não é mesmo?  Isso me dá frio na barriga para ser mais sincera. Me dá medo não saber o quanto essas meninas encantadas com o mundo do príncipe encantado vão levar delas mesmas para a vida adulta, medo de ver desperdiçar diversão e aprendizado e criatividade com outros assuntos. Medo do tamanho da decepção quando souberem que não teve um príncipe sendo formado em contrapartida aos seus anos de vestido rodando pela sala da casa, cantando a música tema do desenho... E que o boy não tem culpa disso. Ele estava envolvido com as corridas, batalhas, incêndios, futebol. Teve foi ocupação, e que bom que tenha sido assim, afinal aos 12 anos o moleque já foi “de um tudo” nessa vida.

Queria ver menos princesas e mais Alices em seus países das maravilhas. Mais meninas com a carinha limpa, sendo meninas curiosas, vivendo suas aventuras e descobertas com seus amigos, bichos, e no mundo só delas. Sem essa preocupação com questões romantizadas fora da hora... Afinal tem a vida inteira para isso virar uma questão, para que precipitar tanto? Sem essa espera para que sejam salvas, sem essa aposta alta de que final feliz que se preze depende de ter um príncipe. Queria ver incentivado o protagonismo dessas pequenas, ver o mistério que cativaria mais... Queria, mas sem achar que os problemas sentimentais dessas adultas estariam resolvidos, porque não falta enredo para preencher todas essas estórias. Meu querer é mais porque sei que quem foi Alice não tem medo de cair na toca do coelho e descobrir um mundo novo, nem de estar sozinha e enfrentar suas questões com a sabedoria própria, nem de encarar seus inimigos e nem de confiar nos seus amigos (e que eles são de todos os jeito e formas e isso é maravilhoso). As Alices tem experiência com as próprias mudanças de forma física e de pensamento, tem coragem, determinação nos objetivos... Essas meninas tem sorte, minimamente elas já conheceram muito mais cores do que a cor de rosa.



Tem muita coisa que as Alices são, e tem outras infinitas mais além, morando em possibilidades a perder de vista das torres dos castelos das princesas. E acho que queria no fundo era isso mesmo, que fosse além.

Príncipes e princesas são legais, mas é nesse sentido que a vida vai... Muito além.